Justice Initiative Portugal

“SHAME Os Abusos Sexuais e o Projeto Justice Initiative Portugal

O IAC em 2021, aderiu ao desafio lançado pela Fundação Suíça “Guido Fluri”, e tornou-se parceiro no Projeto “Justice Initiative” cuja missão é “restaurar a justiça” em relação às Crianças Vítimas (mesmo em idade adulta) que sofreram qualquer tipo de abusos/violência na Europa).

Na base deste Projeto está o longo percurso desenvolvido, na Suíça, pela Fundação Guido Fluri, com reconhecido sucesso judicial em relação à reparação dos danos causados às vítimas residentes na Suíça (já em idade adulta), dos mais variados tipos de violência sexual e/ou maus-tratos, incluindo adoções forçadas.

 

Exposição “SHAME- European Stories”

Em 2021 foi inaugurada a exposição itinerante, em Veneza, sob o nome “SHAME” com o contributo corajoso e inestimável de várias vítimas/sobreviventes (incluindo Portugal), a fim de dar rosto ao sofrimento vivenciado por tantas pessoas, ainda em silêncio, mas, sobretudo para ajudar a libertar a mordaça que ainda vitimiza tantos que por diversas e justificadas razões esconderam os seus mais profundos traumas e dores em consequência de violência sexual.

Em Portugal foi inaugurada no dia 27 de abril de 2023 a Exposição «Shame – European Stories», no Encontro “O Direito da Criança à Não Violência” na Universidade Lusíada de Lisboa e posteriormente voltou a ser exposta no dia 8 de Agosto no Centro Comercial Colombo em Lisboa.

Esta exposição apresenta testemunhos de quase 100 vítimas de abuso em criança em toda a Europa. Nunca a dimensão do problema foi captada desta forma. Fotos e vídeos do premiado fotojornalista Simone Padovani documentando as injustiças que dão voz às vítimas.

Valores e Visão

Tal como para o IAC para a “Justice Initiative” os Valores fundadores da Europa centram-se no incontornável e indelével respeito pelo valor da dignidade de toda e qualquer pessoa humana, pela sua liberdade nas suas várias dimensões, pela igualdade perante a Lei, nomeadamente, no acesso à justiça como é próprio dos Estados de Direito Democrático, Membros da União Europeia e do Conselho da Europa.

Considerando que, estes Valores e Direitos Humanos Fundamentais são ainda violados em muitos países da Europa e a sua promoção, defesa e garantia assumem diferentes especificidades nos vários Estados Membros, faz todo o sentido ao IAC, colaborar ativamente nesta parceria, tendo em conta a experiência portuguesa nesta matéria e os desenvolvimentos alcançados, desde o caso Casa Pia.

Contexto e Plano de Ação da Justice Initiative Portugal

Há um caminho, onde muitos passos positivos foram dados, porém, a história recente no mundo e, em Portugal, sobre a questão concreta dos “abusos sexuais” de crianças faz-nos crer e desejar consciencializar e informar muito mais, todos os que se dedicam de forma empenhada e trabalham ou têm à sua responsabilidade (em todas as suas dimensões) a defesa e garantia dos Direitos Humanos das Crianças.

Na revisão ao Código Penal de 1995, o legislador deixou de considerar os crimes de violência sexual contra Crianças (0-18 anos), como meros atos de censurabilidade criminal ético-moral, ou seja, crimes contra “os valores e interesses da vida em sociedade”.

Com a revisão do Código Penal Português de 1995, o abuso sexual, ou melhor a violência sexual praticada contra Crianças passa a estar prevista, nas suas várias caracterizações penais, no Capítulo dos Crimes contra a “liberdade e autodeterminação sexual”, e o abuso sexual de crianças está expressamente previsto e punido no seu artigo 171º, com uma pena de prisão máxima de 10 anos.

Neste capítulo do nosso Código Penal, o que o legislador quis inequivocamente penalizar foi, sem margem para dúvidas, todos os atos de índole sexual praticados contra pessoas que, atendendo à sua idade e à sua especial vulnerabilidade, não dispõem de capacidade de autodeterminação sexual, nem por ela devem ser responsabilizadas por qualquer forma. Porque o abuso sexual é sempre culpa do abusador/predador. Sempre.

Esta é, aliás, uma das questões que Ângelo Fernandes da “Quebrar o Silêncio” refere no seu livro recentemente publicado, como mito que urge abolir: a criança nunca, em tempo algum contribuiu e/ou é culpada do seu abuso sexual. Ela é sempre a vítima, a quem todos nós sociedade em geral e cada um em particular, temos o dever e a obrigação de respeitar e com ela colaborar, na medida de cada um, para evitar que os casos se repitam. De forma solidária compete-nos, dar contributos para que a Vítima de violência sexual seja apoiada e ajudada com vista à reparação dos danos que consciente ou inconscientemente sofreu, pelo trauma que lhe foi infligido pelo abusador/predador.

Abuso Sexual - Crime contra Direitos Humanos Fundamentais da Criança

Ou seja, é urgente informar e consciencializar que as Crianças Vítimas/sobreviventes nunca têm culpa do crime de violência sexual.

Porque a prática de violência sexual, entre outros tipos de violência, contra crianças constitui uma violação do exercício pleno dos seus Direitos Humanos Fundamentais, com evidentes prejuízos para o seu direito a ser feliz e a sentir-se segura e bem-amada, o seu direito à saúde (física e psíquica), o direito a viver num ambiente seguro promotor do seu bem-estar físico e emocional e, naturalmente, ao seu direito a uma educação de qualidade, em igualdade de oportunidades.

A Vítima/Sobrevivente e o seu Direito à Reparação do Sofrimento/Dano/Trauma

À vítima de violência/ abusos sexuais é-lhe sempre roubado o direito a um desenvolvimento integral e harmonioso e, por conseguinte, se não existir efetiva reparação dos danos que lhe foram causados, não se pode falar em igualdade de oportunidades na educação, pois a sua saúde mental foi comprometida e esse factor pode ter influência negativa ao nível cognitivo, comportamental, social…. O que se irá refletir, consequentemente, na sua falta de igualdade de oportunidades na idade adulta.

No recente relatório da OMS de 2022, “World Mental Health Report- Transforming mental health for all”, reforça-se a premissa de que “saúde mental não significa ausência de doença: saúde mental é uma parte intrínseca da nossa saúde individual e coletiva e como tal do nosso bem-estar.(…)” Há neste relatório, uma preocupação muito visível com o futuro da humanidade e a necessidade evidenciada, também, pela Pandemia por Covid 19 de dedicar um olhar transformador para as questões da saúde mental em cada Estado Membro. Numa perspetiva de que é fundamental promover e proteger a saúde mental, providenciando a ajuda necessária para todos os que dela necessitam, não descurando ninguém. Ninguém é descartável.

Este relatório não podia vir mais ao encontro do que o IAC, também, no âmbito do projeto “Justice Initiative Portugal” tem como preocupação máxima: reparar danos causados às Crianças (ainda que já em fase adulta, porque significa que não se chegou a tempo na infância) e “repor a justiça” que lhes é devida, e que as Vítimas merecem. Nesta perspetiva a saúde mental deve ser tida em conta desde os primeiros anos de vida da criança, a chamada intervenção precoce para garantia do bem-estar da criança. Onde as IPSSs e ONG´s como o IAC, desempenham um papel essencial em parceria com o poder central e local, dada a sua vantagem nas relações de proximidade comunitária que mais facilmente estabelece com as pessoas.

A Saúde Mental é um Direito de toda a Pessoa Humana

Por que razão insisto nos fatores que podem condicionar a saúde mental das crianças? Precisamente porque sem saúde mental não há bem-estar como refere o Presidente da OMS.

O que significa que se não existir reparação e assistência às vítimas nos termos e para os efeitos do disposto na Convenção de Lanzerote na sua cláusula 14ª nº1 “…prestar assistência às vítimas, a curto ou longo prazo, por forma a garantir o seu restabelecimento físico e psicossocial”, note-se a expressão: “ a curto ou a longo prazo”, não se poderá falar numa efetiva e eficaz reparação dos danos que lhes foram causados. Danos esses, que se podem agudizar pelo prolongamento do silêncio até à idade adulta. Uma evidência deste facto é o flagelo dos abusos sexuais de crianças no seio de Instituições como a Igreja e em ambientes desportivos, como temos vindo a assistir. As vítimas sobreviventes, têm o Direito a recuperar o seu bem-estar, sem estigmas, nem preconceitos há muito, convenientemente para os abusadores, enraizados na sociedade civil.

Compromisso com as Vítimas/Sobreviventes

Para tanto, deve haver um compromisso na sensibilização, informação, e desenvolvimento de uma consciencialização social de que estes crimes hediondos só têm um culpado: o abusador/predador.

Às vítimas deve-se todo o respeito. Vítimas são “ (…) as pessoas que individual ou coletivamente tenham sofrido um dano, nomeadamente um dano físico ou mental, um sofrimento emocional, um prejuízo económico ou um atentado importante aos seus direitos fundamentais, em resultado de atos ou omissões que violem as leis penais em vigor nos Estados Membros, incluindo as leis que criminalizam o abuso de poder.(…) O termo vítima inclui também (…) os familiares próximos ou dependentes da vítima direta e as pessoas que tenham sofrido danos ao intervir para prestar assistência a vítimas em perigo ou para impedir a vitimização(…) ”, conceito de vítima adotada pela Assembleia Geral das Nações Unidas na sua Resolução 40/34, de 29 de Novembro de 1985.   

Por que razão é importante relembrar a Resolução da ONU indicada no número parágrafo anterior?

Pela sua atualidade e oportunidade até no que se refere ao “Acesso à Justiça e tratamento Justo”. Esta resolução constitui uma “Declaração de Princípios Básicos de Justiça Relativos às Vítimas da Criminalidade e Abuso de Poder” e no seu ponto 4 declara de forma cuidada que “As vítimas devem ser tratadas com compaixão e respeito pela sua dignidade. (…)”. “Compaixão e dignidade” foram os termos escolhidos pelos representantes dos Estados Membros nesta Assembleia Geral da ONU na atenção do olhar dedicado a cada vítima, seja em que circunstância for.

Esta é uma das causas que o IAC vem defendendo ao longo dos seus já 40 anos de vida: a defesa e promoção da compaixão e da dignidade da Criança, sujeito titular de direitos próprios.

Numa campanha do Conselho da Europa pode ler-se que as “Crianças não são mini- pessoas com mini- direitos”, foi com esta convicção que nasceu o IAC há 40 anos e, com o mesmo sentir aderiu ao projeto “Justice Initiative” da Fundação Guido Fluri.

A referida resolução da ONU, também estatui que os Estados Membros devem estabelecer ou reforçar os “mecanismos judiciais e administrativos destinados a permitir que as vítimas obtenham reparação através de procedimentos formais ou informais” e é de salientar que isso não basta, porque esta Declaração de Princípios Básicos de Justiça Relativos às Vítimas… considera fundamental que esses mecanismos a serem criados ou reforçados, em cada Estado Membro, devem ser “(…) rápidos, justos, pouco dispendiosos e acessíveis”.

Nisto consiste em grande parte a capacidade e ambiente propício à reparação dos traumas, sofrimentos e danos causados pelos abusos sexuais e toda a violência sexual.

O Respeito devido às Vítimas/Sobreviventes

É necessário pedir desculpa às vítimas. É essencial que a Vítima se sinta respeitada, e considerada apesar de todo o sofrimento. A vítima tem o direito à esperança da cura. E, isso só será possível com base no apoio que recebe, com o reconhecimento de que tem razão em desejar justiça e ver reparados os seus danos.

A vítima tem sempre razão, até quando silenciou e escondeu a violência e os abusos que sofreu. Porque ela não teve culpa e não sabia o que fazer, não teve capacidade para abordar a questão, nem soube a quem se dirigir com a certeza de ser escutada e ajudada.

Todos conhecemos vítimas que: tiveram a coragem de falar mas, não foram ouvidas, pelo contrário, foram esquecidas e as suas vozes sufocadas e algumas até mal- tratadas e silenciadas; outras tiveram comportamentos ditos “desadequados” para chamarem a atenção e ninguém leu os seus sinais não verbais, por isso, mantiveram o seu  segredo  (muitos casos); outras que tiveram medo do estigma e dos preconceitos acusatórios contra elas na praça pública e decidiram calar a dor, fingir que nada aconteceu; mas, outras houve que tiveram a coragem de contar e escolheram a pessoa certa, como uma criança de 9 anos que se queixou à madrasta de que era abusada pelo pai desde os seus 7 anos de idade. Esta criança teve a sorte de confiar na pessoa certa que a ouviu e leu os seus sinais e procurou ajuda. Esta criança fez a escolha certa porque de facto existia muito amor e compreensão por parte da sua querida madrasta, e assim conseguimos afastar o pai abusador de casa (costuma ser ao contrário), com a ajuda preciosa de uma freiras inseridas na comunidade que por sua vez era um ambiente acolhedor e amiga da Criança e da família, tal como a importante intervenção de uma Procuradora que soube escutar e agir com total respeito pelos direitos da criança. Da minha parte sempre apoiada numa boa antiga amiga Albertine Santos professora de psicologia do desenvolvimento da Escola Superior de Educação da Maria Ulrich. Neste caso concreto, a lamentar foi apenas o Comissário da CPCJ que se deixou seduzir pelo charme do Pai, homem de trabalho, bem-falante, educado e convincente.

Onde falhou o Sr. Comissário? Esteve disponível para ouvir com tempo e toda a atenção o abusador (o progenitor), não teve nem paciência (para os silêncios profundos da vítima que exigiam tempo) para a Criança Vítima, nem para a madrasta a quem chegou a “acusar” de manipular a criança. Não posso deixar de salientar o papel fundamental da inspetora da PJ que nos ajudou e, pessoalmente, me orientou sobre pormenores, indícios, sinais e sintomas aos quais deveríamos estar atentas tanto na comunicação verbal como não verbal da criança. No IAC procurei ajuda e foi a Ana Perdigão que foi dando dicas para prestar atenção. A dureza da situação foi suplantada pela compaixão que uma comunidade dedicou a esta Criança que, em tempo, teve a assistência que merecia e lhe era devida pelos adultos em quem decidiu confiar.

Esta história, como outras tantas, confirma a importância que a ciência nesta matéria vem demonstrando no que respeita à relação e vinculação da criança aos adultos que a rodeiam. Porque, o abusador é o primeiro intencionalmente interessado em criar um ambiente de confiança em seu redor tanto no que respeita à família como em relação à criança.

O abusador é artesão da manipulação

O abusador é sempre um artesão da manipulação!

Ele escolhe a sua vítima e com paciência (na maior parte dos casos) vai construindo um ambiente de “cumplicidade íntima” com a criança onde esta se torna sua presa, submissa e desprotegida. 

Medo e vergonha das vítimas são duas armas fortes dos abusadores/predadores, tal como acontece no terrorismo o medo é um gatilho facilitador do abuso, que tem sempre uma componente de trauma psicológico.

O Estatuto da Vítima em Portugal

Portugal tem desde 2015 um Estatuto da Vítima, Lei 130/2015, cuja origem assenta na Diretiva 2012/29/EU emitida pelo Parlamento Europeu e o Conselho da União Europeia. É por isso uma lei muito jovem, tem apenas 8 anos. Pessoalmente, considero que não obstante a bondade desta lei há ainda um longo caminho e muitos passos a dar para que a mesma seja respeitada e aplicada. Hoje, ainda é visível em muitos tribunais a falta de consideração em relação ao sofrimento e experiência traumática das Vítimas, minimização da dor da Vítima à qual se sobrepõe com mais afinco os direitos do arguido à presunção de inocência e ao “in dúbio pro reu”.

O Estatuto da vítima, em Portugal, nasce 30 anos após a resolução da Assembleia Geral da ONU onde foi elaborada a Declaração de Princípios Básicos de Proteção das Vítimas de que já falámos, 14 anos após a Decisão Quadro 2001/220/JAI de 15 de março, no  Tratado de Amesterdão, do Conselho da União Europeia e, 3 anos depois da Diretiva de 2012, também da União Europeia.

Urge, pois, reconstruir para as Vítimas um ambiente acolhedor e reparador no qual estas  sintam confiança, em que o seu contributo para a boa decisão da causa seja reconhecido, promovendo-se políticas de sensibilização comunitária de reforço real da imagem dignificante e corajosa das Vítimas, em especial, quando estão em causa a violação da sua imagem pessoal e os seus restantes Direitos Humanos, nomeadamente, quando há violência sexual contra a mesma.

Será importante conseguir-se, à semelhança do que acontece já no Código de Proteção  das Vítimas do Reino Unido que o nosso sistema penal venha a considerar como legítima a Declaração Escrita da Vítima (DEV) sobre os seus sofrimentos, permitindo-lhe expor a sua opinião pessoal relativamente aos factos e as suas preocupações em relação à sua família, seu futuro, necessidade de acompanhamento etc…. A dor e os prejuízos que lhe foram causados tanto pelo abusador, como por quem sabendo, ou tendo indícios para suspeitar, nada fez para a proteger ou evitar a sua revitimização.

Neste projeto da Justice Initiative Portugal, o IAC promoverá a informação ao seu alcance, procurará fundamentação científica e empírica com vista a dar contributo sustentado para que alguma legislação evolua, por exemplo, para que venha a ser possível aumentar o prazo de prescrição e a idade limite das Vítimas para apresentação de queixa crime, recentemente situada nos 30 anos de idade. Complementando-se esta medida com outras que permitam a recolha obrigatória de prova à data dos factos, para eventual fundamentação de processos futuros.

Consequências do Trauma: Mente e Corpo

Porque “O Corpo não esquece” nome do livro do Dr Bessel Van der Kolk e as Vítimas/Sobreviventes de violência sexual, arma acutilante usada inclusivamente em guerras (como mais uma vez se assiste na guerra contra a Ucrânia), é fundamental aprofundar as consequências do trauma nas vítimas/sobreviventes. Muitos são os casos etiquetados com diagnósticos que me nada têm a ver com o problema da pessoa concreta.

A uma vítima de abusos sexuais na adolescência a certa altura na sua vida adulta, foi-lhe diagnosticado “personalidade boderline”, naturalmente que esta vítima se sentiu profundamente ofendida. Tenho, pessoalmente, dificuldade em compreender um diagnóstico deste tipo em relação a uma vítima de violência sexual a quem nunca chegou a oportunidade de reparação. Ou seja, a quem não foi dada a oportunidade de tratar as suas feridas e danos emocionais.

Com que direito se pode continuar a fazer este tipo de diagnósticos às vítimas de violência sexual? É chegado o tempo de se investir na investigação e na melhoria da saúde mental, como inicialmente referi. Podemos e devemos colocar-nos algumas questões: se eu estivesse nessa situação seria natural e min há perda de humor? Se fosse eu a vítima com a minha personalidade tornar-me-ia- hiper-vigilante? E seria normal que isso fosse assim, porquê? Se eu tivesse “flasbacks” constantes seria para mim fácil acreditar nas pessoas que me rodeiam, onde ficaria aquilo a que chamamos vinculação humana? E a empatia social e humana seria ou não afetada? Como seriam as minhas relações íntimas estariam afetadas pela violência sexual sofrida? Se ouvisse uma anedota com referência a um ato sexual como reagiria se isso disparasse em mim um ataque de ansiedade, diriam que eu estava/ ou era maluca sem sentido de humor? E se me obrigassem a colocar um preservativo numa aula de cidadania após um abuso (enquanto decorriam sessões de terapia- aconteceu com uma criança que conheci) chorava ou exaltava-me com os meus pares? Se passasse a isolar-me do mundo, seria conotada como anti-social, inadaptado, puritano, assombrado? Se contasse o que me tinha acontecido e desvalorizassem o facto, como reagiria no futuro em relação a essas pessoas, confiaria? Falaria na polícia ou perante um juiz?

A mente e o corpo são uma realidade una. Em matéria de abusos sexuais, é necessário haver consciência e informação específica sobre a nossa atitude e conduta porque a sanidade mental de cada pessoa, passa obrigatoriamente, pelo bem-estar do corpo e da mente.  Um novo olhar deve ser dedicado às pessoas vítimas ou sobreviventes de todo o tipo de violência sexual com maior consciência sobre os efeitos e consequências do trauma na mente humana.

E, ter noção clara de que quando essa violência sexual acontece na infância e ou juventude ela compromete e prejudica o normal desenvolvimento da pessoa. Porém, hoje sabe-se que a cura é possível! Consegue-se reparar, mas, é necessário chegar a tempo. O tempo de cada um, pode ser diferente, por isso temos de incutir confiança e esperança de que a experiência do trauma não é uma fatalidade, acreditamos convictamente que a reparação é possível, indispensável, necessária, devida e merecida.

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