O Instituto de Apoio à Criança nasceu em 1983, por iniciativa de Manuela Ramalho Eanes, a que se associaram personalidades marcantes da vida cívica portuguesa de então, como João dos Santos, Matilde Rosa Araújo, Maria José Lobo Fernandes, Emílio Salgueiro, Sérgio Niza, Luisa Ducla Soares, Maria Emília Brederode Santos ou Meneres Barbosa.
O IAC nasceu no âmbito desse grande movimento que surgiu com o Ano Internacional da Criança e já com a nova perspectiva de Criança como sujeito de Direitos.
Nos círculos de defesa dos Direitos Humanos deixou de aceitar-se a violência contra as crianças e o Código Penal de 1982, de 23 de Setembro passou a prever o crime de maus-tratos em Criança.
Foi inovadora a ideia da criação de uma ONG de crianças porque num País com uma história autocrática, não seria previsível que tantas individualidades da sociedade civil oriundas de diversos sectores da vida social, profissional e académica se unissem em torno de uma causa que ainda não atingira aquela visibilidade que facilita o trilhar de caminhos difíceis.
Vivíamos no nosso País uma crise devastadora, a nível social e financeiro, de que os “salários em atraso” foram o fenómeno mais dramático. O desemprego atingiu percentagens elevadas e o Fundo Monetário Internacional foi chamado nesse ano de 1983 pelo Governo do Bloco Central, pois vivia-se uma situação grave de pré-bancarrota, e Portugal, que ainda não ingressara na CEE (percursora da União Europeia), tinha uma economia débil, que se ressentia também dos velhos métodos cuja não renovação, levaram à quebra nas pescas e na agricultura, e a uma desindustrialização muito dura, devido a não se terem conseguido renovar as indústrias antigas que haviam começado a ter de competir com os mercados asiáticos, onde a mão-de-obra barata conduzia a uma concorrência selvagem, que mais tarde a globalização haveria de tornar mais óbvia.
Neste contexto, de graves dificuldades para as famílias, a fundação de um Instituto da Criança foi olhada com muita simpatia pelos círculos intelectuais, e como uma necessidade pelos profissionais, como médicos, enfermeiros, trabalhadores sociais, psicólogos, professores e magistrados.
Soube dessa fundação na minha primeira comarca, em Setúbal, onde exercia funções o primeiro Bispo de Setúbal, Dom Manuel Martins, muito amigo do Presidente Ramalho Eanes e de sua esposa, Manuela Eanes, que presidiu ao IAC durante mais de trinta anos e que é hoje sua Presidente Honorária.
Fiquei entusiasmada porque só aí comecei a ter uma noção mais real da vida das crianças e das mulheres vítimas de violência, agravada também pela séria crise social causada pelo encerramento de diversas fábricas no Distrito.
Quando, meses depois se realizou na Gulbenkian um encontro memorável em que se pediram medidas para combater os maus tratos às crianças, eu estava lá e testemunhei a importância de esse tema não ser mais silenciado.
Foi um caminho muito rico que acompanhei sempre e que marcou a história da protecção à Criança no nosso País.
Ao assumir a presidência do Instituto, pensei sempre nestas funções como um serviço, que exercerei com o objectivo de contribuir para a elevação do Estatuto da Criança, pela sua Dignidade e no seu superior interesse.
Sei que posso contar com equipas motivadas e competentes e com uma Direcção empenhada nesta causa maior, mas temos de conseguir trazer mais pessoas, pois há muita gente cheia de energia e saber de experiência feito que poderá associar-se a nós e todos não somos demais para combater a pobreza, e a violência em ordem a conseguirmos um mundo menos desigual e mais justo.
Hoje, o IAC é uma referência a nível nacional e internacional e tem-se sabido reinventar para conseguir ajudar cada vez mais e melhor. Foi isso que sucedeu agora com a Pandemia e a declaração do Estado de Emergência, que nos obrigou a repensar metodologias por forma a continuar a nossas acções, não deixando nunca de apoiar as crianças e os jovens e suas famílias, sobretudo os que vivem em situações de maior adversidade e vulnerabilidade.
Estou confiante que desta crise surja mais forte a solidariedade.
Acredito que as palavras de Jorge de Sena poderão ecoar cada vez com mais vigor nos corações das pessoas boas, que em cada dia sentem necessidade de homenagear a “honra de estarmos vivos”, e não aceitam a indiferença perante a violência, a exclusão social e a injustiça.
Presidente da Direcção
Dulce Rocha