Encontro Anual da Rede Construir Juntos “Crianças Expostas a Violência Doméstica”

“Naquela manhã de Outono em que as folhas caídas das árvores encarniçadas e amarelas se misturam no chão e cobrem os passeios de Lisboa, o Dinis apareceu na escola marcado no braço.

À sua diretora de turma disse ter sido o pai que lhe batera, como tantas outras vezes já acontecera.

O Dinis tem 13 anos, e ficou a viver com o pai desde o dia em que a sua mãe saiu de casa com a atribuição do estatuto de vítima, tal como a sua irmã mais velha, hoje maior de idade.

De imediato, a escola levou o Dinis à urgência do Hospital, onde recebeu tratamento. Ficou algumas horas naquele serviço, e foi sinalizado ao Núcleo de Apoio a Crianças e Jovens em Risco.

O risco de voltar para junto do pai. O risco de voltar a ser batido.

As profissionais do Núcleo falaram com a mãe do Dinis, que confirmou o perfil do pai: um militar austero e violento.

Apresentou queixa por violência doméstica na esquerda da PSP, e ao Dinis foi atribuído o estatuto de vítima.

Demonstrou vontade e disponibilidade para pedir a guarda do filho, revertendo a situação actual e, na estreita e já habitual articulação entre o Núcleo do Hospital e o Serviço Jurídico do IAC, “tecemos” a rede de proteção do Dinis: Falámos com a escola, com a PSP, todas estas entidades a quem a Lei de Proteção reconhece competência em matéria de infância e juventude.

O Dinis só teve alta hospitalar com a garantia que iria para casa da mãe, e que esta pediria a sua guarda junto do Tribunal de Família e Menores.

O Núcleo sinalizou-o à CPCJ territorialmente competente, tendo assim aberto um processo de proteção a favor do Dinis e “alimentou” o processo-crime com toda a informação recolhida.

A Escola assegurou o acesso aos livros do Dinis por parte da mãe, os quais à partida só seriam entregues ao seu encarregado de educação: o pai

O Dinis já teve uma consulta no centro de saúde e foi encaminhado para apoio psicológico.

A mãe tem sido acompanhada juridicamente e esclarecida sobre todos os trâmites legais dos processos em curso.

Mãe e filho já foram ouvidos na CPCJ, onde prestaram o consentimento para a intervenção.

O pai não atende o telefone aos técnicos envolvidos.

Ainda não foi marcada a diligência que se impõe e a qual a Lei prevê que em 48h seja agendada: a Conferência de Pais onde será alterada a guarda do Dinis a favor da mãe.

Porém, há duas certezas:

A lei não permite o recurso a qualquer via para obtenção de acordo entre os pais,

e, na semana passada, o Dinis, na escola, voltou a sorrir, ainda que nos seus verdes anos, fiquem guardadas as folhas encarniçadas e amarelas que no outono caem das árvores (…)”.

Ana Perdigão

Serviço Jurídico IAC

Foi, por Crianças como o Dinis, e que os parceiros da Rede Construir Juntos acompanham na sua intervenção diária, que o tema escolhido para reflexão no Encontro Anual foi “Crianças expostas a contextos de violência doméstica”.

O Encontro decorreu no IPDJ de Moscavide, no dia 3 de dezembro, e contou com a participação de 60 profissionais das ciências humanas e sociais, de norte a sul do país.

Após um Welcome Coffee, deu-se início à Sessão de Abertura, na qual falaram a Dra. Lídia Praça, Vogal do Conselho Diretivo do IPDJ e a Drª Dulce Rocha, Presidente da direção do IAC, que deu as boas vindas a todos os participantes, referindo a pertinência da temática e salientando a importância da prevenção e acompanhamento das crianças vítimas de exposição de violência doméstica.

Seguiu-se um breve enquadramento da Rede Construir Juntos, pela apresentação de Paula Paçó. a Rede surgiu da ideia de um projeto com o objetivo definido de constituição formal de uma rede de parceiros, o que veio a acontecer em julho de 1997, sendo o compromisso promover o trabalho em rede, potenciando a sinergia das ações para o combate à exclusão social na área da infância e juventude.

Enquadrando o tema do Encontro num dos muitos casos que o Serviço Jurídico do IAC tem acompanhado, Ana Perdigão “conduziu” o 1º Painel, no qual, a Profª Drª Natália Fernandes, Professora Agregada da Universidade do Minho, do Instituto de Educação, do Centro de Investigação em Estudos da Criança, apresentou uma comunicação intitulada “O silêncio que grita!”, através da qual refletiu com os presentes algumas notas para pensar o direito à família com lugar para a criança enquanto sujeito ativo de direito, referindo as políticas de apoio à família e expondo as conquistas e os desafios no respeito dos direitos das crianças expostas a contextos de violência doméstica.

A Drª Mónica Albuquerque, da Associação Mulheres Contra a Violência, iniciou a sua comunicação apresentando os princípios chave de intervenção, bem como as respostas de atendimento individual especializado, informação jurídica, apoio psicológico para jovens e crianças e Grupos de Ajuda Mútua que a associação possuiu. Referiu o número

de mulheres e crianças que a Associação acolheu nos últimos anos, transmitindo as razões dessas intervenções. Apresentou dados nacionais de vítimas de violência doméstica e de abuso sexual. Terminou a sua comunicação expondo as experiências traumáticas na Infância que têm impacto na vida adulta a todos os níveis, inclusive na saúde.

Após o debate, seguiu-se a sessão de encerramento na presença da Drª Maria João Fernandes da CNPDPCJ e da Drª Matilde Sirgado, da Direção do IAC.

No período da tarde decorreu a Reunião Anual da Rede Construir Juntos, tendo sido feito o balanço das ações desenvolvidas durante o ano de 2024 e perspetivado o Plano de ação para 2025, sob a temática “Bem-estar na Adolescência”.

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